sexta-feira, 17 de setembro de 2010

Nova «corrida a África»?

A outra face do investimento estrangeiro no continente africanoRochas com «coltan»

O continente africano conta, no seu seio, com grandes «recursos económicos»: 98% das reservas mundiais de crómio, bem como 90% das de platina, situam-se no Zimbabué (Zimbabwe) e África do Sul; 80% das de columbite-tantalite (coltan), na República Democrática do Congo (RDC); 50% das de cobalto, na RDC e na Zâmbia; e poderíamos continuar quase indefinidamente a lista, já que a diversidade da flora e fauna, a beleza das paisagens e a abundância da mão-de-obra são, também elas, susceptíveis de serem considerados outros tantos atractivos para o investimento. Refiramos apenas que, em 2007, a maior produção mundial de diamantes se situava no Botswana, enquanto o crescimento económico de países como a Guiné Equatorial, o Chade ou Angola se ficou a dever sobretudo à extracção de petróleo.
Um tal potencial não passava despercebido no resto do mundo, e, consequentemente, enquanto o preço das matérias-primas subia nos mercados mundiais, as grandes potências extra-africanas intensificaram, ao longo do ano, a atenção que devotavam ao continente
Foi assim que os Estados Unidos da América resolveram criar um novo comando militar específico para África, o Africom, que começou a funcionar a 1 de Outubro. Interrogado, ainda em Setembro, pelos jornalistas portugueses, sobre as razões que presidiram a uma tal iniciativa, o subsecretário para questões políticas do Departamento de Defesa dos EUA, Ryan Henry, retorquiu que a grande preocupação americana era garantir «que os produtos africanos tenham acesso ao mercado global, o que implica ultrapassar a instabilidade em várias regiões», nomeadamente o «terrorismo» e os «conflitos regionais». No entanto, segundo o cientista político argelino Ismail Ghalia, o verdadeiro objectivo dos EUA era bem outro: «enfraquecer a presença crescente (em África) de outras potências como a China», a qual também oferecia cooperação militar, além de financiamento e investimentos, aos países africanos. De facto, esteve em curso, ao longo de 2007, uma autêntica «corrida a África», a qual fazia lembrar aquela, que, a partir da 2.ª metade do século XIX, levou à partilha do continente pelas potências europeias.
E, tal como aconteceu na época colonial, o crescimento económico impulsionado por capitais externos, verificado no continente africano, não se traduziu necessariamente em «desenvolvimento». Economias como Angola e Moçambique, por exemplo, apesar de terem crescido substancialmente e atraído investimento, acabaram até por cair de posição na lista do Índice de Desenvolvimento Humano 2007, da ONU.
Veja-se o caso do suposto contributo chinês para o «desenvolvimento» africano: na realidade, a estratégia chinesa não diversifica a produção no continente, nem cria um número significativo de empregos entre os nacionais, por recorrer a mão-de-obra imigrante chinesa (que pouco uso faz do seu dinheiro em despesas de consumo na economia local, preferindo antes enviar remessas para a família, na pátria distante). Paralelamente, a China exporta produtos tão baratos que a oferta africana não consegue competir; diversas fábricas nacionais já fecharam em África por esse motivo.
Algo de similar se poderia dizer da forma como se processa o investimento europeu no continente africano: capitais aplicados em «sectores de enclave», pouco geradores de emprego local, e inundação dos mercados internos com produtos excedentários, a preços altamente subsidiados. Uma situação que não faz senão agravar o desemprego e, portanto, a emigração (em muitos casos clandestina), para a Europa.
BIBLIOGRAFIA: Jornal Público, edição Porto, 2 de Outubro, 23 de Novembro e 14 de Dezembro de 2007.

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