quarta-feira, 26 de maio de 2010

Posfácio ao Portugal, o Ultramar e o futuro por Manuel José Homem de Mello





Estávamos em 1960.
 (…) O ciclo colonial percorria os derradeiros passos. Portugal encontrava-se numa encruzilhada decisiva: ou procurava resistir a tudo e a todos no intuito de preservar e manter o Império, inclusivé pela força das armas, ou optava pela via das negociações diplomáticas, sigilosas e transparentes. (…). Poucos seriam os que, naquela altura, ousavam defender uma solução negociada designadamente no seio dos comandos militares que, surpreendentemente, encontraram no ministro da Defesa, Júlio Botelho Moniz, o intérprete das mutações políticas que se impunha levar a cabo.(…)
Sondado pelo ministro e pelo genro Manuel Cotta Dias para assumir os Negócios Estrangeiros, devo confessar que senti, aos 30 e poucos anos, um misto de orgulho e receio. (…)
Reconheça-se, ainda, que a opinião pública portuguesa não estava preparada para a «entrega» das colónias por nossa própria iniciativa. Era quase certa a formação de uma organização de extrema-direita, como aconteceu em França com a OAS.
(…) Inviabilizada a tentativa de golpe de Estado, o chefe do executivo português recusou seguir o exemplo do General De Gaulle não aceitando renunciar ao princípio da Argélia Francesa. Também deste lado da fronteira, se gritava “Angola é nossa”. E era. Mas por pouco tempo mais (…).
Em 1954, Portugal perdia os primeiros territórios ultramarinos, Dadrá e Nagar-Aveli. Embora só em 61, antes da invasão de Goa, é que a Índia considerou como concluída a anexação (…).
O malogro do golpe de Botelho Moniz precipitou os acontecimentos embora a agonia do colonialismo português fosse prolongar-se por mais 13 anos. Acabaríamos por regressar ao rectângulo Europeu da pior maneira, sem rei nem roque, como autênticos cavaleiros de triste figura, quando possuíamos todas as condições para continuar - sem sair. (…). Daí à independência seria um ápice. (…) Salazar optou pela guerra para preservar o Império. Perdeu a guerra e Portugal ficou sem as colónias. (…)
Como foi possível que alguém tão inexperiente como eu tivesse visto o que um homem com inteligência, a perspicácia, a ponderação e os acontecimentos do então Presidente do Conselho, se revelou incapaz de prever? Só encontro duas respostas alternativas possíveis:
- Ou o Dr. Salazar, a partir, sobretudo, da perda de Goa, tinha deixado de estar precocemente na plena posse das suas excepcionais qualidades intelectuais e anímicas (…)
- Ou então optou por jogar Portugal na “roleta da sorte”, preferindo continuar no poder, apesar de não ter ilusões quanto ao epílogo da tempestade que se acumulava no horizonte, nem sobre as trágicas consequências dela resultantes (…)
A irreprimível vocação para a independência, pelos territórios por nós descobertos (…), manifestou-se muito antes da febre colonialista que viria apossar-se do Estado Novo três séculos mais tarde para acabar por aderir ao integracionismo que viria a ser oficialmente adoptado pelo regime então vigente, através do célebre grito lançado pelo Presidente Carmona ao chegar a Moçambique: AQUI É PORTUGAL!. E sê-lo-ia, se dependesse apenas da vontade de alguns.
Na verdade, andámos em sentido contrário ao da História: Colonialistas quando não o deveríamos ser; imperialistas quando o colonialismo se definhava rápida e inexoravelmente.
Não se trata de uma simples teimosia ou casmurrice. Continuo a pensar que o nosso caminho não deveria ser o da persistência na colonização mas liderar precisamente o oposto ou seja proporcionar e até mesmo incentivar a descolonização. Se já em 1500 fôramos capazes de proporcionar novos mundos ao mundo no século XX bem poderíamos, e deveríamos, ter seguido idêntico caminho procurando forjar (…) novos “brasis”.
Pois não é verdade que o sucesso de qualquer política se mede pelos resultados alcançados?
O que se afigura extraordinário é encontrar ainda bastante gente -  não muita mas mesmo assim gente de qualidade e em número suficiente para nos perturbar – gente que continua convencida ou dizer-se convencida que a nossa missão era a da defesa da integridade territorial portuguesa do Minho a Timor (…)
Todos sabemos que errar é humano. E humano também é reconhecer que se errou, como aconteceu por exemplo, com Robert Macnamara considerado um dos homens mais inteligentes da sua geração, Ministro da Defesa da administração Kennedy que veio a terreiro confessar que se enganara ao articular e dirigir a invasão norte-americana no Vietname, intervenção essa que acabou por confessar ter sido um erro descomunal.
Quem entre nós teve a coragem de semelhante atitude? Ao que saiba até agora – ninguém (…)
Um erro pode ser pior do que um crime. Ao mandar assassinar o Duque de Enghein, Bonaparte teria cometido um erro que Talleyrand não teve dúvida em considerar mais grave que um crime.
Pois em termos políticos apetece entrar no portal da História à ilharga do príncipe de Perigord,  reconhecendo e catalogando o ocaso do Império, de mãos dadas com a catástrofe de Álcacer-Quibir, como um dos mais trágicos, dolorosos, erráticos e irresponsáveis episódios do historial português.
Dá ideia de que nos consideramos tocados pela varinha mágica da infabilidade (…) mas enquanto os demais reconhecem os erros que cometem, nós nunca erramos, temos sempre razão.
Primeiros a chegar bem poderíamos não ter sido os últimos a partir. E sobretudo a partir como partimos, salpicando de opróbrio a memória daqueles que honraram a nossa Pátria morrendo por ela, glorificando Portugal (…)

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